Pelo que até agora foi escrito, poderemos concluir que, na sua dimensão mais básica, a publicidade não admite a moda porque o processo de comunicação publicitária se encontra centrado num exercício lingüístico que remete para uma objetivação, para uma ostentação comercial. Neste processo comunicacional, a existir a alguma moda, ela é objetual, extra-comunicacional, e é explorada na mensagem publicitária como se tratasse de mais uma vantagem competitiva subjacente ao próprio objeto comercial.
Esta situação, que na sua dimensão mais absoluta impõe à mensagem publicitária uma configuração pobre, baseada numa pura ostentação objetual não é, porém, incompatível com a particularidade de, por vezes, descobrirmos nos anúncios, atores publicitários que envergam um determinado vestuário, que protagonizam um determinado estilo. Porém, salientamos que nesta situação, a mensagem publicitária é objeto de uma modificação estrutural pela qual as práticas lingüísticas que a comportam já não se limitam a apresentar, a ostentar, mas também a encenar uma existência ou emergência comercial.
Nesta reestruturação, as práticas lingüísticas podem mesmo incidir sobre a configuração dos próprios produtos através de processos retóricos de personalização. Os produtos também são personagens que envergam um determinado vestuário, e apresentam certo estilo. Também pode dar-se o caso de existirem personagens (humanas ou animais) evocativas dos produtos e que apresentam um figuro específico.
Como já se referiu, a existência de sujeitos na mensagem publicitária implica a concretização de práticas lingüísticas complementares àquelas que apresentavam um valor estrutural. Relativamente a estas últimas, elas são dotadas de uma dimensão conjuntural: são exercícios de linguagem que variam de anúncio para anúncio publicitário e a sua função comunicacional já não remete para a caracterização da especificidade do processo de comunicação publicitária.
Podemos considerar que a conjugação destas práticas lingüísticas de natureza conjuntural com as que são dotadas de um valor estrutural origina tipos de publicidade, ou gêneros publicitários: a Publicidade Teasing, a Publicidade Informativa, a Publicidade de Marca, etc..
Esta idéia que acabamos de apresentar, é importante para a temática da moda na publicidade. Passamos a explicitar a suas principais implicações:
1a- Só é possível concebermos moda na publicidade na condição de existirem na mensagem publicitária práticas lingüísticas complementares às que apresentam um valor estrutural. Por outras palavras: é impossível descobrir moda na ‘Publicidade em si’, mas já é viável descortinar a moda nas ‘publicidades’, isto é, no âmbito dos gêneros publicitários;
2o- Não há moda sem sujeitos. Esta idéia significa que na mensagem publicitária deverá existir uma prática lingüística referente ao exercício de uma subjetividade: um conjunto de exercícios de linguagem, baseados em palavras e em imagens, que remetam para a afirmação da existência de sujeitos na mensagem ou, então, que procedam à subjetivação dos próprios objetos, à personalização das entidades comerciais. Esta particularidade é importante, na medida em que, como na criação das imagens de marca os produtos adquirem uma personalidade, um caráter, como, por vezes, ganham o estatuto de estrelas, então necessariamente eles deverão apresentar um estilo;
3o- A moda na publicidade não é uma moda qualquer. Não deverá confundir-se com um assunto, com um tópico publicitário, isto é com o próprio objeto comercial que é publicado. A moda que estamos a refletir pertencerá, por direito, à dinâmica do próprio processo de comunicação publicitária. Explicando esta idéia por outras palavras: neste artigo, não queremos refletir sobre as estratégias de publicidade a produtos de moda (estilistas, empresas de confecções e calçado, etc.), mas sobre o estatuto da própria moda na mensagem publicitária. A moda deverá, portanto, apresentar um valor publicitário, uma funcionalidade comunicacional. Se bem que esteja relacionada com um exercício lingüístico de especificidade conjuntural, ela só existe na condição de favorecer a publicação de uma certa oferta comercial. Se quisermos, a moda na publicidade é um exercício de estilo ao serviço da divulgação de uma determinada mercadoria. Nesta perspectiva, não pretendemos estudá-la no que respeita à suas particularidades estéticas, vestimentares, sociológicas, etc., mas exclusivamente a partir de parâmetros relacionados com uma eficácia comunicacional de índole publicitária. Só assim é possível medir o valor publicitário da moda. Esta idéia da eficácia comunicacional é inspirada no conceito de figurino para teatro e para cinema. A funcionalidade do figurino está relacionada com valores adequados às singularidades desses processos de comunicação. É o caso, por exemplo, das especificidades do canal (há uma roupa para teatro que é mais fácil de vestir e despir na transição das cenas, que é materialmente distinta do vestuário no cinema), mas sobretudo das que remetem para as particularidades intrínsecas ao teatro ou ao cinema: processos comunicacionais que se caracterizam por práticas lingüísticas de índole narrativa. É por isso que os figurinos do teatro são concebidos por referência a uma história. O vestuário está ao serviço de um relato. O mesmo acontece no cinema, onde abundam exemplos que ilustram este raciocínio. Apresentamos somente dois: o cromatismo dos figurinos patentes no ‘Gone with wind’ e o guarda-roupa envergado por Audrey Hepburn no ‘My Fair Lady’, onde o barroquismo do vestuário envergado pela personagem acompanha a sua crescente fluência e domínio lingüístico do inglês. Esta correlação entre o estilo e o processo comunicacional é importante pois vai determinar qual o estatuto da moda na publicidade: o de um estilo ao serviço de uma apresentação;
4a- Deveremos proceder a uma delimitação mais rigorosa do conceito de moda. Até agora temos explorado este conceito numa perspectiva muito restrita, associando à moda tudo que é da ordem do vestuário. Pretendemos, porém, alargar o âmbito conceptual: nesta perspectiva, a moda está relacionada com o look, o estilo, tal como é definido por Jean Marie Floch (Floch, 1995) a propósito de Coco Chanel: remete para uma espécie de sintagma composto por signos objetuais que está inscrito no corpo de um sujeito. Sendo assim, na sua dimensão semântica, a moda é um significado complexo que resulta não só da interação de um vestuário específico, mas também de certo tipo de adereços (por exemplo, as jóias), bem como dos artifícios inerentes à maquiagem e ao corte de cabelo. Na evocação deste significado, há códigos hierárquicos que determinam a importância dos signos nos sintagmas evocativos. Por exemplo, o vestuário pode apresentar um valor publicitário superior à maquiagem ou vice-versa. Será possível encontrar um melhor look publicitário sobre as alegadas taxas de juro baixas que um corte de cabelo curto, porque “quanto menos melhor” ? Um corte de cabelo milimétrico, porque a “Taxa de juro é arredondada à milésima” ? Um corte barato, fácil, ‘faça você mesmo’, “porque o custo de avaliação [do Crédito à Habitação] é muito reduzido” ?
Apresentadas estas quatro implicações passamos a identificar as principais práticas lingüísticas que estão relacionadas com a afirmação de sujeitos na mensagem publicitária e, indiretamente, com a evocação de uma moda na publicidade. Salientamos a particularidade de cada um destes exercícios lingüísticos estar relacionado com gêneros específicos de publicidade.
Esta idéia é importante: conceber a moda em publicidade implica igualmente perceber as características subjacentes às diversas práticas publicitárias. Encontramos assim uma moda característica dos gêneros da Publicidade de Marca, da Publicidade Informativa e da Publicidade Apelativa.