Realidade, Contestação e Fantasia
A sociedade brasileira dos anos 60 passa por um acelerado desenvolvimento tecnológico, principalmente dos meios de comunicação. Percebe-se uma internacionalização dos processos culturais e dos movimentos sociais. É como se o mundo todo estivesse em busca de definições. Pelo menos três grandes metas parecem estar na mira: desarmamento, desenvolvimento e descolonização.
Na África, 35 países conseguem sua independência política. A china comunista de Mao Tsé-tung preconiza a Revolução Cultural e estabelece doutrinas próprias, veiculadas no Livro Vermelho. A construção do muro de Berlim alimenta a guerra fria. A França enfrenta a Argélia num confronto armado. Os E.U.A fracassam numa desastrada tentativa de invadir Cuba. Em novembro de 63, o presidente John Fitzgerald Kennedy é assassinado em Dallas, a e bela e elegante Jacqueline Kennedy inicia uma carreira solo, tornando-se um mito que só é ameaçado quando de seu casamento com o armador grego Aristóteles Onassis. Em junho de 68, Bob Kennedy é assassinado durante sua campanha à presidência; em dezembro do mesmo ano, o líder do movimento pelos direitos civis do negro americano, Martin Luther King, também é assassinado.
A Rússia manda para o espaço o primeiro foguete pilotado por um homem, o astronauta Yuri Gagarin. Em 69 é a vez dos E.U.A: três astronautas, Armstrong, Aldrin e Collins, tripulando a nave Apolo XI, desembarcam na Lua. O mundo todo, inclusive o Brasil, assiste as suas façanhas em transmissão direta pela TV.
A eletrônica se desenvolve, e a televisão é popularizada, difundindo uma cultura industrializada e de massa.
Os E.U.A entram na guerra do Vietnã. A América Latina é palco de conflitos sucessivos entre as forças de direita e de esquerda. Che Guevara é morto na Bolívia ao tentar pôr em prática suas teorias sobre guerrilha continental.
No Brasil, o movimento estudantil toma corpo e se organiza em oposição à ditadura. Os jovens começam a se liberar sexualmente; aumenta o uso de drogas, e a partir de 1964 a política estudantil passa a ter contornos ideológicos mais efetivos. As idéias do período se refletem na produção cultural de diferentes maneiras.
A cultura, no começo da década, reproduz o clima de democracia populista e a liberdade de expressão vai até 64. A partir daí, as coisas mudam, e os jovens desconfiam do lirismo inerente à Bossa Nova e à Jovem Guarda, começando a fazer apologia da cultura engajada.
Entre as influências internacionais e a dura realidade brasileira, o meio artístico se divide. Nas artes plásticas e na literatura vêm conceitos de fora como o abstracionismo, o concretismo, o figurativismo, o surrealismo, a arte cinética, op-art ou pop-art, o movimento psicodélico e outros, que se substituíam velozmente.
Em 1960, já existiam no Brasil, aproximadamente, um milhão de aparelhos de televisão. E esse número vai crescendo assustadoramente até o final da década. No princípio era a Tupi, parte do império dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Depois vieram Record, Excelsior e ao entrar no mercado, a Globo segue a estratégia de conseguir audiência, mantendo-a cativa para estabelecer um padrão que se tornou o próprio modelo de TV no Brasil. Com as telenovelas, no início um hábito feminino, passa a atingir milhões de espectadores diariamente.
Os festivais e os programas de auditório da Record foram, sem dúvida, os que revelaram os maiores talentos da música, como Elis Regina, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Geraldo Vandré e Edu Lobo. A platéia vaia ou aclama seus ídolos. Uns se vestem dentro do por-art: minissaia, meia arrastão, botas, bijuterias exageradas, cílios postiços com delineador, batons quase brancos e cabelos lisos, ou ainda com laquê, em coques exagerados; no outro grupo, as roupas típicas dos guerrilheiros e dos estudantes universitários: calças e camisas cáqui, ou verde-oliva, sapatões de couro rústico, boinas à Che Guevara, ausência de artifícios, os cabelos escorridos e uma elaborada aparência de descuido.
A pílula anticoncepcional contribui em muito para a liberação sexual da mulher dos anos 60 e a moda sofre uma guinada radical. Sofre uma série de mudanças: a minissaia, as blusas transparentes, os collants, o estilo rétro de Bonnie and Clyde. A razão de tantos estilos diferentes pode vir do fato de as pessoas que ditam a moda não serem mais as de antes. O poder da alta-costura parisiense declina porque os estilistas demoram a perceber que as mulheres não querem mais servir de cabide para as suas criações e que o dinheiro começa a estar na mão de uma juventude trepidante, que tem idéias bem precisas sobre o que quer ou não usar. Alguns dos jovens costureiros, como Yves Saint Laurent, Ungaro, Paco Rabanne e Courrèges, preparam lançamentos com base na ficção científica e começam a desenhar vestidos inspirados em discos voadores, maillots de metal, botas e macacões em couro dourado e prateado. Atribui-se a Paco Rabanne a criação da minissaia, mas ele próprio não confirma nem desmente.
Os estilistas franceses começam a ter em mente a comercialização de acessórios. Dior vendia perfumes e óculos de sol, Saint Laurent desenhava lenços e a mior parte dos costureiros abria departamentos de moda masculina. O centro da moda, no entanto, se transfere para Londres. A popularidade dos Beatles e de outros grupos inspira os jovens costureiros ingleses, com idéias inteiramente novas. A primeira da fila é Mary quant. No início da carreira, ela produzia roupas para jovens de 12 a 20 anos. As saias eram curtas, às vezes muito curtas, as meias foram trocadas por collants e as roupas de baixo são reduzidas ao mínimo necessário. Ao mesmo tempo que Mary Quant modificava a aparência das moças, em Paris é lançado um novo estilo; trata-se da moda unissex, que podia ser usada tanto pelos homens quanto pelas mulheres, desde que fossem magras: camisa e calça em jeans mais leves que o da calça Lee, famosa na época.
A Jovem Guarda tinha sua própria moda ditada por Roberto, Erasmo e Vanderlea: minissaia, calça saint-tropez boca-de-sino, camisas de tecido brilhante com mangas compridas bufantes e golas grandes como a de Elvis Presley; botinhas, correntes grossas no pescoço, pulseiras, mesmo para os homens, e o famoso Brucutu. Era comum ver-se jovens das melhores famílias roubarem esguicho de água para limpar o pára-brisa dos fuscas (“brucutu”) e com eles fazerem seus anéis.
O modismo do grupo foi aproveitado para lançamento de griffes como etiquetas Calhambeque, Ternurinha e Tremendão. Um sucesso de vendas. A propaganda e o marketing se sofisticam. Mas nem só de mitos gerados pelas técnicas de marketing se alimenta a moda: Brigitte Bardot, Claudia Cardinale, Audrey Hepburn, Jane Fonda, pelo cinema; as manequins Twiggy e Veruschka; e a primeira-dama Jaqueline Kennedy. No Brasil, é o tempo de Maria Teresa Goulart, Tônia Carreiro, Norma Benguel, Duda Cavalcanti e Leila Diniz. A garota de Ipanema vira um mito, cantada por Vinícius de Moraes. Nem só de juventude vivia a moda. Em 64, a música Dr. Pitanguy trata da mulher de meia-idade e de uma grande novidade: a cirurgia plástica. A alta-costura brasileira revela novos talentos: Guilherme Guimarães, Clodovil, Gérson e, talvez o mais famoso, Denner.
Do meio pra o final da década, os concursos de Miss Brasil começam a ser considerados ultrapassados. Casualmente, nessa época duas brasileiras ganharam o título de Miss Universo: Yeda Maria Vargas em 63, e Marta Vasconcelos em 68. O novo ideal feminino é ser magérrima, ter os quadris marcados, mas sem gorduras, os seios devem ser altos e minúsculos e as pernas, essas sim, extremamente longas e bem torneadas. As únicas roupas para as noites marcantes nesse período foram os palazzo-pijamas e os smoking rebordados. No mais, são os vestidos tubinho, as mínis, os vestidos chemisiers e as calças. Os tecidos variam, mas a vedete é o índigo blue usado para as calças jeans.
Na praia, os biquínis vão ficando cada vez mais sumários; aparece o maiô “engana-mamãe”, e uma ousadia que é repelida: o monoquíni. Os materiais usados são a helanca, a malha de algodão misturada com fio sintético e o jersey sintético.
As roupas da maioria das boutiques das grandes cidades não estabelecem diferença entre os sexos. E o homem já não teme mais as extravagâncias.
A moda não depende mais da inspiração momentânea do estilista e passa a ser rigorosamente planejada em todos os aspectos. Novos materiais são pesquisados, e é desenvolvida a sua aplicação.
Os meios sociais passam a ser estudados com atenção, na tentativa de se preverem as novas tendências. A humanidade vai se transformando cada vez mais rapidamente.
No final dos anos 60, a maior parte da moçada estava pirando, e é só a gente se lembrar do Mamas and Papas, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e a frase de John Lennon era muito mais reveladora do que ele próprio poderia imaginar. O sonho acabou !
Os anos 60 do século XX são marcados por inúmeras mudanças e, conseqüentemente, várias adaptações aos novos tempo. De um modo geral, alguns fatos marcaram esses anos nos quais a juventude se manifestou e se impôs. Foi o período da conquista espacial, a Guerra do Vietnã, conflitos raciais nos Estados Unidos, rebeliões estudantis em todo o mundo, além de outros, acabaram influenciando a moda desse período tão significativo e importante para a história do século XX.
A busca pela novidade era frenética e mal se lançava uma idéia para que todos logo aceitassem, democratizando as criações dos estilistas. Foi o grande momento de solidificação do prêt-à-porter na moda.
O jeans foi a grande afirmação da moda jovem, em seus modelos tradicionais ou novos, com inúmeras intervenções modernas à sua época.
Yves Saint Laurent em 1958 a linha trapézio, abriu a sua própria maison e no final da década lançou para as mulheres o conjunto de calça comprida e paletó. Pacco Rabanne trocou o tecido, a linha e a agulha por placas de metal, arame e alicate. A idéia de futuro foi aspecto generalizado. Mary Quant difundiu a minissaia e a meia-calça.
Com a consolidação da moda hippie e de sua associação com a filosofia oriental hindu, eles adotaram, após terem ido à Índia, um visual com características indianas e ajudaram a difundir esse aspecto na moda jovem.
O aspecto de psicodelismo através de matérias novas como o plástico e o acrílico, além das estampas multicoloridas se fizeram presentes tanto nas artes gráficas como na moda.
No que diz respeito aos tecidos, acompanhando as modernidades dos tempos, estavam em moda especialmente os de fibras sintéticas, o que facilitava a intensidade das cores, uma vez que esses evidenciam melhor as tonalidades do que os tecidos de fibra natural.
O homem estava voltando a se enfeitar e a difusão da moda unissex nesse período só contribuiu positivamente para isso.
Na segunda metade dos anos 60 a mesma moda tanto para ele quanto para ela passava a idéia de um modo coletivo, comunitário, um ideal jovem que resultou numa espécie de uniformização para ambos os sexos.
Em meados de agosto de 1969, houve um grande show de música pop numa fazenda próxima a Nova Iorque, o Woodstock, que ajudou na popularização e difusão dos conceitos hippies para os jovens do resto do mundo, delineando toda uma atitude para modos e modas do início dos anos 70.
Desenvolve-se a imprensa especializada, o sistema organizou-se e os jovens adolescentes passaram a ter poder de compra abrindo o caminho para o fenômeno “moda jovem”, sintetizada no jeans. Movimentos de moda das ruas influenciaram as passarelas, transformando-se em novas tendências.
O prêt-à-porter passou a ser o principal pólo irradiador da criatividade. Nos anos 1960 as boutiques, novo conceito de loja, incorporou o espírito jovem e sofisticado da moda de vanguarda e o surgiu o estilista-criador, que desenvolve coleções prêt-à-porter dentro do seu estilo pessoal, chamado de “criador de moda”, termo incorporado oficialmente em 1973 pela câmara Sindical do Prêt-à-Porter dos Costureiros e dos Criadores de Moda.
A denominação estilista (do francês styliste) surgiu nos anos 1960, no desenvolvimento do prêt-à-porter, identificando o profissional que, na indústria da moda e também das artes aplicadas em geral, transpõe e interpreta as tendências de acordo com a identidade da empresa e de seu público-alvo.
Mais mudanças, e elas ficam ainda mais velozes. A começar pela entrada do elemento jovem no mercado; trata-se de um tipo de consumidor que, daqui para a frente, vai virar tudo de cabeça para baixo. É o chamado Youthquake, ou “Terremoto Jovem”, conforme definiu a editora americana de moda Diana Vreeland. Nascidos no pós-guerra, eles entram com força de consumo, mais vontade de mudar o mundo e vão mudar mesmo, especialmente a partir de 1968, com os movimentos estudantis.
Desde os anos 50, já começavam a aparecer, marcadamente nas ruas de Londres, os chamados teenage styles, ou seja, os grupos de adolescentes e jovens com seu estilo unificado pelo gosto musical (na década de 80, seriam batizados de “tribos”). Surgiram então os mods, rockers, rockabillies. Eles prepararam o terreno para que, na década de 60, Londres se transformasse em algo que seria até hoje: palco para a expressão pessoal por meio da moda. Junto com isso, na mesma época, os jovens já têm consciência de ser um grupo distinto e unido (conforme lembra a escritora Valerie Steele). E numeroso, porque chega finalmente ao mercado (de trabalho e de consumo) a geração de garotos e garotas nascidos depois da Segunda Guerra, quando seus pais voltaram do front morrendo de saudade das esposas.
Os adolescentes, então, já têm condições de trabalhar àquela época. Com seu próprio dinheiro, querem roupas e objetos que atendam a suas necessidades, e não mais a moda antiga dos anos 50. É uma nova geração de consumidores.
Surge um novo tipo de estilista, personificado, por exemplo, por Mary Quant — a famosa inventora da minissaia. Sem ter-se especializado em moda e longe de ter uma formação como a dos pedantes criadores da alta-costura, Quant simplesmente queria roupas mais jovens para que ela e suas amigas usassem. Na falta delas, põe a mão na tesoura e cria a minissaia, em 1965, passando a vendê-la em sua loja, na King’s Road londrina. Aparece aí um novo tipo de varejo, as butiques, que facilitam o consumo e democratizam mais a moda.
Nesse mesmo ano, nas passarelas francesas, André Courrèges também apresenta saias curtíssimas, na célebre coleção influenciada pela corrida espacial. O estilo Courrèges de inocência e provocação, junto com suas silhuetas juvenis e cores pastel, define a moda da década.
A independência sexual obtida com o advento da pílula anticoncepcional serve para libertar as mulheres também em termos de imagem. Sem engravidarem, mulheres cada vez mais jovens passam a fazer sexo despreocupadas. É o auge da estética “lolita”, com a sexualização de looks quase infantis.
A modelo Twiggy representa a imagem da década: magérrima, tem o frescor da efervescente juventude do momento. Para manter o ideal de corpo adolescente, é preciso muita dieta e exercícios, conforme pregam as revistas femininas. Cabelos compridos também são muito populares, bem como as perucas, que podem mudar a personalidade das garotas. Cílios postiços e rímel são obrigatórios.
Novos materiais decolam, e os anos 60 são também o período em que vingam o biquíni e o movimento hippie (que aparece em meados da década e decolará nos 70). Em 1966, Yves Saint Laurent inventa o smoking para mulheres, numa ruptura do masculino/feminino influente até hoje. É também nos 60 que surge a expressão “estilista”, substituindo “costureiro”.