A Cultura Tecnológica
A queda do muro de Berlin em 1989 foi um fato que simbolizou o fim de uma época, de uma ideologia e marcou o início de outras.
No Brasil, os anos 90 começaram trazendo os novos ventos da abertura de mercados, iniciada na era Collor, o vendaval do impeachment, as primeiras tentativas de estabilidade econômica e o Plano Real, com FHC.
Os Estados Unidos começavam a viver um dos mais longos períodos de prosperidade de sua história, embalado pelo sonho e pelos altíssimos ganhos proporcionados pela “nova economia” da era dos provedores , dos sites, do comércio eletrônico e do e-mail, da desmaterialização da informação e da virtualidade dos contratos.
A techno culture imperava. A música eletrônica expressava com perfeição essa nova sensibilidade, um tempo dos Dj’s, dos webmasters, das celebridades, da mania por piercings, tatuagens e cabelos coloridos faziam parte de um conjunto de estratégias de individualização, de auto-expressão e de mudança permanente do próprio visual.
Provocar na maioria uma sensação de estranhamento que beire a rejeição tem sido condição para a própria definição de modernidade. O futuro era, naquele momento, a ideologia dominante, a própria encarnação da supremacia tecnológica.
Todas as décadas anteriores, inclusive as de 1960 e 1970, haviam sido recicladas, em tendências estéticas de ciclo curto, com a moda à frente desse processo. No entanto, nenhuma teve a força do apelo que os anos 1980 tiveram, e mais: se buscar inspiração no passado é algo comum na História, o ineditismo da situação consistia no fato de que um período que mal terminara já se transformava em motivo de releitura.
Na moda, pode-se dizer que representou o fim de determinadas barreiras e preconceitos no vestir e o aparecimento de uma grande liberdade de se expressar visualmente, conceito que vai definir a moda na década de 90 do século XX.
O conceito de “tribos urbanas”, forte nos anos 80, teve sua seqüência no início dos anos 90. A moda grunge, de influência vinda de Seatle (USA), marcou o modo de vestir dos jovens, que aderiram ao estilo descontraído de peças sobrepostas, roupas oversized (tamanho grande) e a cultuada camisa de flanela xadrez amarrada à cintura.
Também entraram em evidência clubbers, drag queens, cybers, ravers entre outros grupos, e a ordem foi a moda jovem, ousada e irreverente. Foi com o conceito de “supermercado de estilos” que a moda dos anos 90 passou a ter sua própria identidade quando mesclou informações e influências de diversas fontes.
A moda dos anos 90 adquiriu o caráter de mistura e absorveu diversas referências vindas das mais distintas realidades e, todas juntas, formaram uma nova proposta. A falta de identidade passou a ser a própria identidade e a liberdade de vestir passou a ser muito grande, é a globalização na moda. O espaço adquirido pelo streetwear, recebendo e passando informações da rua, se solidificou na moda dos anos 90.
O “desconstrutivismo” foi outra idéia desenvolvida e surgiu especialmente através da influência dos estilistas belgas na moda como Martin Margiela. Foi uma desconstrução para um novo construir, uma espécie de evolução da reciclagem e do ponto de vista comercial e popular, esse conceito se transformou em bainha desfiada e overlock aparente.
Surgiram os novos profissionais de moda que são verdadeiros criadores de conceitos, idéias, imagens e na maioria das vezes era e ainda é mais importante que o próprio produto.
Outra realidade foi o avanço tecnológico têxtil, a microfibra da década anterior evoluiu e foram desenvolvidos tecidos com alta “performance tecnológica”, os achados “tecidos inteligentes”, com utilização de finíssimos fios metálicos, que mudam de cor de acordo com o estado de espírito do usuário, tecidos bactericidas, etc.
A idéia de supermodelo começou ainda nos anos 80 com Inês de La Fresange, para a Casa Chanel; e nos anos 90 algumas outras, tais como, Claudia Schiffer, Cindy Crawford, Linda Evangelista, Christy Turlington, Naomi Campbell, Kate Moss, Amber Valetta e mais adiante, a brasileira Gisele Bündchen adquiriram a posição de supermodelos: são as famosas “top models”.
A moda reinventa-se com o conceito de customização, ou seja, uma personalização na qual o usuário interfere subjetivamente na sua roupa criando novas propostas e se diferenciando dos demais.
A corrida para adiante caracteriza a valorização da nova moda e surge uma democracia de estilos: clubbers, tecno, eletro-rock, é o sistema da moda movimentado pelo paradoxo entre diferenciação e identificação.
A mídia continua exercendo um poder decisivo com uma variedade de veículos e excesso de informações. A fabricação do fenômeno metrossexual pela mídia é uma categoria apresentada como a configuração da “nova identidade masculina”. O “novo homem”, agora britanicamente metrossexual é uma mostra de como a mídia se lê e se repercute, de maneira a construir uma verdade própria, mais facilmente assimilável pela opinião pública.
A mania por modelos, a proliferação das colunas sociais, a obsessão da sociedade contemporânea pela celebridade, pela fama, pela visibilidade, é o processo de transformação em espetáculo, do cotidiano, da cultura e da política.
Com o indivíduo e o culto à personalidade em alta no quadro de valores, passou-se a falar de look para remeter à idéia de individual. “Produzir um look” passou a ser mais importante do que estar na moda. Em 1990, essa noção só fez aprofundar-se: o estilo é entronizado pela mídia e pelas instituições da moda como valor a ser almejado por todos, cultua-se a exclusividade e a individualização concretiza-se em conceitos como o de customização (personalizar a própria roupa; customer, consumidor em inglês). O reinado do estilo é a nova face da ditadura da moda.
Os anos 90 aparecem fragmentados, com múltiplas idéias de moda pulverizadas. Uma das principais é o minimalismo, que prega a simplicidade e as linhas retas, justamente uma oposição à extravagância e aos excessos visuais dos 80.
O austríaco Helmut Lang e o americano Calvin Klein são os principais artífices dessa tendência. Da mesma forma, a moda grunge (inspirada pelo rock de Seattle) e a explosão da cultura jovem aparecem como reação ao culto exagerado do status. A fotografia de moda encontra um novo caminho, desglamourizado, naturalista, uma estética que tem como epicentro o trabalho da fotógrafa inglesa Corinne Day e a imagem da modelo Kate Moss. Franzina e magricela, Kate vem juntar-se ao grupo das supermodels, que reinam no início dos 90, esse impõe pela personalidade, instalando a individualidade como marca da década. Kate também se vê acusada (injustamente) de incentivar a anorexia.
Outro desdobramento da estética despojada dos 90 é o heroin chic, quando as modelos se mostram tão “derrubadas” nos editoriais de moda que parecem drogadas de heroína. A onda avança até o então presidente Bill Clinton manifestar-se, pedindo que as modelos sejam retratadas de modo mais saudável. Dá certo.
O grunge, por sua vez, sai da música (é o estilo do rock de Seattle, de grupos como Nirvana e Pearl Jam) e troca as ruas pelas passarelas e revistas. Serve para instalar a nova dinâmica da moda, que estimula a individualidade e a diversidade, dando pistas para a virada do milênio, em direção a um estilo próprio e individual. O aspecto plurifacetado e confuso dos anos 90 é típico dos fins de século. No mesmo período, coexistem ainda o estilo étnico, o religioso, o fetichista, o clubber e o desconstrutivista (da escola belga liderada por Martin Margiela).
Ao mesmo tempo que amoda de rua dita as regras do jogo, reinam as chamadas luxury brands, as marcas de bens de luxo; a guerra de seus conglomerados marca o final da década. O importante é usar algo de grife, e por isso a logomania: estampar a marca de modo bem visível, na roupa. Quando uma consumidora japonesa (o principal público desse segmento) compra um perfume italiano, ela quer entrar em outro estilo de vida. Muitas vezes não sabe direito o que é, mas sabe que há algo ali e que esse algo não é japonês. As grifes de luxo inspiram o sonho e impulsionam a moda.
Com a prosperidade dos EUA e dos países asiáticos no período, crescem os números desse mercado. Nas passarelas, imperam o luxo e a riqueza, com os estilos de Prada (a nova elegância, burguesa e retro), Gucci (sexo e poder), Chanel (o novo clássico) e Versace (sensualidade e extravagância).