Diferentemente da língua como instituição social que nos é pré-existente, quando nos referimos à idéia de “moda brasileira”, a indumentária (como língua) torna-se uma produção cultural com construção premeditada, pois o senso comum não leva em conta os fatores de produção-circulação-consumo (e os valores/significados que lhes são correspondentes), mas apenas a estética daquilo que se apresenta. Logo, a indumentária “brasileira” (cada unidade de peça do vestuário) como objeto de estudos é codificação que funda uma linguagem visual específica (a união de recursos expressivos materiais nas peças individualmente ou em sua composição) que não se renova de acordo com as mediações sociais que se estabelecem no tempo e no espaço.
É possível afirmar que cada unidade de peças do vestuário reúne e suporta os códigos que determinam o que é e o que não é “moda brasileira”. Assim, contrariando qualquer obviedade de que os significados são determinados na mediação dos signos e, ainda, de que haveria possibilidade de flexibilizar sua significação, o conceito de “moda brasileira” é resultante de características materiais bem específicas, tanto em sua forma modelada (a construção de cada peça) quanto em sua materialidade (tecidos e adornos). O seu significado é dado a priori e sua seleção e o seu uso social pelos indivíduos pode pretender apenas confirmá-lo ou refutá-lo, mas dificilmente reconstruí-lo.
Assim, as formas que a indumentária (língua) categorizada como “moda brasileira” adquiriu para representar os conceitos de brasilidade desejados, é o resultado de uma série de processos de atribuição de formas visuais aos discursos de nacionalidade em nosso caso particular, pois, como se sabe, os conceitos de nacionalidade são diferentes em cada lugar. Esse fato, ao opor-se novamente à idéia de Barthes (2004) que afirma que a moda nunca pode ser nacional, demonstra que a “moda brasileira” ocupa lugar de fato folclórico (conhecimento ou prática coletivizada instituída e dinâmica pela sua manutenção), ou seja, com significados pontuados que pretendem ser conservados. Isso, de certo modo, faz com que os significados dessa estética sejam determinados de modo rígido e, portanto, não abertos às atualizações conceituais das quais a moda globalizada se alimenta.
As hipóteses fundamentais que norteiam este debate - mas que ainda devem ser comprovadas por meio de estudo mais aprofundado -, entendem que o conceito de “moda brasileira” pretendeu alinhar-se às descrições estrangeiras que dominaram os relatos verbais ou visuais sobre o Brasil entre os séculos XVI e XIX e que, em contrapartida, também serviram para despertar o espírito de nacionalidade em nossos artistas e literatos. Assim, pretende-se sugerir inicialmente que:
- A linguagem visual da “moda brasileira” que se desenvolveu no período 1940-1975 é pautada em uma estética própria relacionada aos recursos naturais brasileiros e às manifestações da cultura popular;
- Esse conceito de “moda brasileira” tem relação com as manifestações artísticas que também pregam o nacionalismo na arte;
- Por se remeter a referências fixas (flora, fauna, clima, habitante aborígine, etc.), o conceito de “moda brasileira” não se transformou em sentido lingüístico, o que a circunscreveu a alguns segmentos (como a moda-praia) e a localizou no tempo-espaço. Isso impede que, assim como a moda européia ou norte-americana, se evidenciem as características próprias do fenômeno da moda, como a temporalidade, a sazonalidade etc.;
- Essa “fixação referencial” constrangeu o desenvolvimento de uma moda globalizada, inserida no sistema de design industrial.